terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Comprometimento social do cristão

Na postagem passada escrevi: Deve-se pedir ( em oração) para transformar o individualismo em comunitarismo, pois não haverá preservação da vida sem comprometimento e compartilhamento do ser humano. Quero nesta postagem trazer subsídio para esta afirmação, explorando a responsabilidade como mordomos na graça e a dos judeus na lei. A finalidade das contribuições na lei e na graça. Este é um tema polêmico e intocável pelas instituições religiosas.

O tema abordado nesta postagem é apenas um dos aspecto da missão da igreja, e que não perca o foco de outros como: a evangelização, a adoração e a comunhão.

Em primeiro lugar eu quero afirmar que a dispensação da graça começa com a morte de Cristo e não com o início das narrativas do novo testamento. Até a morte de Jesus ele vivia sob a lei de Moisés, e estava aqui para cumprir esta lei. “Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim destruir, mas cumprir.”(Mt 5.17) e o fim da lei é Cristo conforme Rm 11.14. A graça veio ampliar a lei, pois o que era feito por obrigação na lei passou a ser feito por amor na graça.

Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e, Quem matar será réu de juízo. (Isto é preceito da lei) Eu, porém, vos digo que todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e quem disser a seu irmão: Raca, será réu diante do sinédrio; e quem lhe disser: Tolo, será réu do fogo do inferno. (isto é preceito da graça) Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. (Isto é preceito da lei) Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.” (Isto é preceito da graça) (Mt. 5.21-28) A graça veio aumentar a responsabilidade

Veja este exemplo que li de um estudo bíblico:

Adultério

§ Lei: Para não adulterar, o meio utilizado foi o apedrejamento (Levítico 20:10).

§ Graça: Para não adulterar, o meio utilizado foi o amor a Cristo (II Coríntios 5:14).

Contribuição

§ Lei: Para contribuir, o meio utilizado foi o medo do devorador (Malaquias 3:10-11).

§ Graça: Para contribuir, o meio utilizado é o amor a Cristo (II Coríntios 9:7).

No Adultério e na Contribuição, mudou o meio, mas o objetivo foi o mesmo: Não adulterar e sempre contribuir. (Luciana R. A. Viana, DÍZIMO: CONTRIBUIÇÃO DA LEI OU DA GRAÇA?, http://www.estudos-biblicos.net/dizimolv.html)

No antigo testamento há inúmeras passagens que falam de comprometimento e compartilhamento aos pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros. O Dízimo na lei de Moisés era destinado a prover as necessidades básicas dos levitas e a beneficência aos estrangeiros, órfãos e as viúvas. “Então, virão o levita (pois não tem parte nem herança contigo), o estrangeiro, o órfão e a viúva que estão dentro da tua cidade, e comerão, e se fartarão, para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em todas as obras que as tuas mãos fizerem.” (Dt 14.29).

Após a narrativa neotestamentária da morte e ressurreição de Jesus, o único texto bíblico que fala sobre dízimos está na epístola aos Hebreus, no capítulo 7. Mas o novo testamento está repleto de exemplos de contribuições (ofertas) e suas finalidades. Vejamos:

Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um.” (Atos 2.44-45)

“Pois não havia entre eles necessitado algum; porque todos os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam o preço do que vendiam e o depositavam aos pés dos apóstolos. E se repartia a qualquer um que tivesse necessidade.” (Atos 4.34-35)

“Porque pareceu bem à Macedônia e à Acaia levantar uma oferta fraternal para os pobres dentre os santos que estão em Jerusalém”. Rm 15.26

Independente dos dízimos, no novo testamento encontra-se base para contribuir para o sustento renumerado de obreiros que dão tempo integral à obra de Deus. Veja os exemplos: Paulo recebeu salário de determinadas igrejas para servir aos crentes em Corinto (2 Co 11.8); O pastor que emprega tempo integral na assistência à igreja é digno do seu salário (1 Tm 5.18); Paulo ensinou à igreja de Corinto a sustentar os pregadores do Evangelho (1 Co 9.4-14); Timóteo foi advertido por Paulo a não cuidar dos negócios seculares para se sustentar (2 Tm 2.4); Pedro disse que a única ocupação dele e de seus companheiros de ministério era a oração e a pregação (At 6.4); Os apóstolos de Jesus viviam das ofertas que recebiam. Em João 12.6 lemos que existia uma bolsa onde eram depositadas as contribuições para o sustento dos discípulos, e Judas fazia as com­pras com o dinheiro aí depositado (Jo 13.29).

Portanto na lei e na graça o princípio é o mesmo: sustentar os obreiros, os pobres, as viúvas e os órfãos. O que muda é que a graça amplia a responsabilidade. Na lei você devolvia o dízimo para manutenção do ardem religiosa e justiça social. Na graça não precisa devolver nada obrigado por lei, pois tudo pertence a Deus que colocou seus filhos como mordomo. Movido por Deus, o mordomo fiel contribui para fazer justiça social e manutenção da sua obra.

Na graça Tiago afirma:” A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo.” (Tg 1.27)

Agora leia o único texto que fala de dízimo na graça ( No novo testamento há mais 2 passagens. Veja em postagens anteriores julho 2011)

”Porque este Melquisedeque, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando este regressava da matança dos reis, e o abençoou, a quem também Abraão separou o dízimo de tudo (sendo primeiramente, por interpretação do seu nome, rei de justiça, e depois também rei de Salém, que é rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas feito semelhante ao Filho de Deus), permanece sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu o dízimo dentre os melhores despojos. E os que dentre os filhos de Levi recebem o sacerdócio têm ordem, segundo a lei, de tomar os dízimos do povo, isto é, de seus irmãos, ainda que estes também tenham saído dos lombos de Abraão; mas aquele cuja genealogia não é contada entre eles, tomou dízimos de Abraão, e abençoou ao que tinha as promessas. Ora, sem contradição alguma, o menor é abençoado pelo maior. E aqui certamente recebem dízimos homens que morrem; ali, porém, os recebe aquele de quem se testifica que vive. E, por assim dizer, por meio de Abraão, até Levi, que recebe dízimos, pagou dízimos, porquanto ele estava ainda nos lombos de seu pai quando Melquisedeque saiu ao encontro deste. De sorte que, se a perfeição fosse pelo sacerdócio levítico (pois sob este o povo recebeu a lei), que necessidade havia ainda de que outro sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não fosse contado segundo a ordem de Arão? Pois, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei. “(Hb 7,1-12)

O texto acima deixa claro que os sacerdotes Levíticos recebiam os dízimos segundo a lei (v 5), Porque através deles (sacerdotes Levíticos) o povo recebeu a lei (v 7) e mudando-se o sacerdócio, a lei precisa também ser mudada (v.12). Deus enviou outro sacerdote porque o sacerdócio levítico não era perfeito (v11).

Toda a lei de Moisés se cumpriu em Jesus, ele é o fim da lei. Melquisedeque, era a figura do sacerdócio eterno de Cristo, então quem deveria receber dízimo hoje seria o próprio Jesus. E a única maneira de Jesus receber o dízimo é quando o pobre recebe. Veja o texto bíblico abaixo:

“ Quando, pois vier o Filho do homem na sua glória, e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; e diante dele serão reunidas todas as nações; e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos; e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos à esquerda.

Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me.

Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te?

E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.”(Mt 25.31-40)

A Igreja primitiva, em atos dos apóstolos, partilhava seus bens, suprindo a carência dos necessitados. Isto aconteceu quando o Espírito Santo desceu sobre ela. Os primeiros diáconos foram escolhidos para tratar das causas sociais da igreja. (At 6.1-7). Historicamente um dos sinais dos avivamentos e o engajamento da igreja em questões sociais.

Não podemos separar nossa vida religiosa do compromisso social. Não podemos reduzir nossa fé a freqüência aos cultos, aos montes de oração e a leitura bíblica e afastarmos de nos a responsabilidade social. Também não devemos deixar que a vida cristã se resuma a obra social, e nem tampouco usar o assistencialismo como isca para evangelização, pois justiça social está acima disso.

Marcos Avelino

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Restauração do valor da criação

Quero fazer um breve reflexão sobre as últimas postagens deste blog. Quanto vale a vida? Para os elefantes sua vida tem menos valor que o marfim. Quanto mais exuberante for seus incisivos laterais, mais sua vida corre risco e perde valor. Esse valor que sobrepõe a vida, tornou objeto motivacional na sociedade pós moderna, cria a maior crise no ser humano, que é justamente a de não ter e cria a maior crise para o planeta que a exploração indiscriminada em busca do ter.

Esta busca maquiavélica pelo ter reflete no capitalismo selvagem atual. Este vem colonizando e programando a mente das pessoas através da propaganda comercial e da libertinagem artística para os anseios do ter. As pessoas entram em crise porque a felicidade fica atrelada a satisfazer esse possuir. Toda energia é então dispensada para atingir este objetivo. Os filhos crescem, a juventude vai embora e não há tempo para curtir as particularidades de cada momento que a vida propicia.

E quando chega a possuir, logo vem a decepção, surge nova necessidade de ter criando um ciclo vicioso. E por isso sacrifica-se família, pessoas, animais, caráter. gerando uma convulsão generalizada.

Diante de tudo isso perde-se o valor do ser humano e da natureza. Os frutos nocivo neste colapso social é colhido e estampado nos noticiários. Construí-se marfins e depois se vê a vida e a liberdade tiradas por cobiças no que construiu.

A natureza, a vida humana perde o valor quando se deixa guiar pela mente que está nas instituições que controlam a mídia. Troca-se o que tem relação com o divino por apelo comerciais, Papai Noel, ovo de páscoa, etc... Tira a reflexão e a empatia de compartilhar dos sofrimentos alheios. Cria-se guerreiros individualista do consumo, que defende somente seu mundo e seu prazer.

Quanto vale o ser humano se está longe dos olhos, e não pode-se sentir seu sofrimento e agonia? Quando a empatia e a solidariedade se prolongará mais que os focos da mídia? Quanto vale o ser humano, se não faz parte do grupo e não tem a indumentária, nem os cacoetes? Quanto vale o ser humano do povoado ao lado, além dos muros do condomínio fechado?

Quanto vale o ser humano sem o potencial de ser explorado, sem enquadra-se em membro, paciente, cliente, funcionário, aluno ou eleitor? Quanto vale a mulher desprovida de beleza e da estética e que tem as oportunidades tiradas por estar fora dos padrões atuais?

Quanto vale o ser humano, dependente químico que anda errante pelo o centro da cidade, atrás de migalhas no lixão? Quanto vale a menina frágil, que vendeu o seu corpo por alguns reais, após o gozo sexual, depois de matar os desejos e satisfazer o libido? Quanto vale o ser que está no ventre e é ameaça ao prazer e a “liberdade”?

Quanto vale este ser que sonha, canta, chora, sente, mas não sente que o outro também sente? Vale menos que alguns lambaris? que um telefone celular? que um esquema, um projeto tirano?

Como reconstruir o que esta na iminência do caos? Como projetar um futuro feliz baseado em fatos históricos do passado negro da humanidade? Como sonhar se o otimismo se esvaiu e a crença no progresso, na ciência e na tecnologia ruiu diante do pessimismo e esperam-se o pior? O que esperar da natureza explorada que gerou a poluição e na convicção que o homem não é capaz de resolver os problemas do mundo?

Quando Leonardo Boff propõe em refundar o Brasil como sociedade biocentrada, isso vira uma utopia sem a transformação dos ideais de valores da sociedade pós moderna. Não há sociedade humana sem o verdadeiro cristianismo descapitalizado. Qualquer outra solução é estarmos cosendo folhas de figueira para cobrir nossa nudez. Só a pele do cordeiro de Deus Pode cobrir nossas vergonhas e salvar nosso país. A própria “Mãe Terra” está sujeita a benção de Deus decorrente da reconciliação do homem. Pois os espinhos que brotaram da terra como maldição por causa da desobediência estavam na coroa de Jesus no calvário.

Na modernidade a economia foi impactada com o pensar de Hegel e Marx. Marx criticou a religião de então e com razão. Chegou a fazer afirmações fortes como “ a religião é o ópios das massas” e “Deus é um sedativo para os fracos”. O papel da religião herdada da Idade Média era tornar os pobres subservientes e conformados para que estes não viessem ameaçar o poder dos nobres. A “igreja” lucrava com a exploração.

Martinho Lutero também impactado pela a crise do ter, motivou a Reforma Protestante. Depois de perseguição e morte a igreja protestante cresceu apoiada pela burguesia, a classe emergente que surgia em oposição ao feudalismo que era apoiado pela igreja católica romana. Ambas centradas numa atitude de exploração e conquistas.

As instituições eclesiásticas hodierna são pragmáticas e com mentalidade de mercado, em busca de criar e satisfazer as vontades dos consumidores. Cria-se em nome do ter heresias sutis que toca principalmente na emoção e vontade do homem. Incitam a moda, ao gosto e a escolha pessoal de cada indivíduo. Este poder de escolha é o fator máximo da existência. Não leva a transformação do homem, que restaurado preserva a vida e a natureza.

Para se esperar o melhor têm-se que romper com esse sistema religioso. Deve-se volta para Deus e suplicar pela restauração do indivíduo. Só então a natureza será restaurada. Deve-se pedir para transformar o individualismo em comunitarismo, pois não haverá preservação da vida sem comprometimento e compartilhamento do ser humano. Hoje o mundo passou a ser uma aldeia de uma tribo global. Careçe ter uma atitude de cooperação e não de conquista. Estas mudanças precisa se processar em todos os ramos de conhecimento, artes, ciências, filosofia, cultura popular, etc.... Se o mundo continuar nesta atitude ateístico materialista vai sucumbir. Não se pode descartar Deus de nossos projetos

Só podemos pensar em uma vida melhor se esperarmos a restauração em Cristo. “Pois tenho para mim que as aflições deste tempo presente não se podem comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Porque a criação aguarda com ardente expectativa a revelação dos filhos de Deus. Porquanto a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que também a própria criação há de ser liberta do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, conjuntamente, geme e está com dores de parto até agora;” Rm 8: 19-22

Quanto vale a vida de um ser humano e o preço da natureza restaurada? Vale o preço que Jesus pagou na cruz do calvário.

Marcos Avelino

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Apreensão de marfim é recorde em 2011 com 2.500 animais mortos

O volume de presas de elefantes-africanos apreendidas em 2011 em todo o mundo foi o maior desde 1989, época em que o comércio internacional de marfim foi proibido para evitar a extinção da espécie.

No ano, foram apreendidas 23 toneladas, que equivalem a pelo menos 2.500 animais mortos. Os números foram apresentados na quinta-feira (29) pelo grupo Traffic, que monitora o comércio internacional de animais selvagens, e divulgados pela rede britânica "BBC".

Segundo o grupo, o recorde é reflexo da alta demanda pelo produto na Ásia, associada à sofisticada atuação dos grupos por trás do comércio ilegal. Os principais destinos são China e Tailândia....

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Na foto de 12 de dezembro, oficiais encontram carregamento ilegal de marfim em Kuala Lumpur, na Malásia. ONG afirma que houve aumento no contrabando de marfim, o que significa a elevação no número de mortes de elefantes no continente africano. (Foto: Lai Seng Sin/AP)

 

FOLHA DE SÃO PAULO - 30/12/2011-20h54

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Brasil: de empresa internacionalizada à uma sociedade biocentrada

Há interpretações clássicas sobre a formação da nação-Brasil. Mas esta do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima é seguramente singular e adequada para entender o Brasil no atual processo de globalização: A Refundação do Brasil: rumo a uma sociedade biocentrada (Rima,São Carlos 2011). Seu ponto de partida é o fato brutal da invasão e expropriação das terras brasileiras pelos “colonizadores” à base da escravidão e da superexploração da natureza.

Não vieram para fundar aqui uma sociedade mas para montar uma grande empresa internacional privada, uma verdadeira agro-indústria, destinada a abastecer o mercado mundial. Ela resultou da articulação entre reinos, igrejas e grandes companhias como a das Índias Ocidentais, Orientais, a Holandesa (de Mauricio de Nassau), com navegadores, mercadores, banqueiros, não esquecendo as vanguardas modernas, dotadas de espírito de aventura e de novos sonhos, buscando novos conhecimentos e enriquecimento rápido.

Ocupada a terra, para cá foram trazidas matrizes (cana de açúcar e depois café), tecnologias modernas para a época, capitais e escravos africanos. Todos eram considerados “peças” a serem compradas no mercado e como carvão a ser consumido nos engenhos de açúcar. Com razão afirma Souza Lima: ”o resultado foi o surgimento de uma formação social original e desconhecida pela humanidade até aquele momento, criada unicamente para servir à economia; no Brasil nasceu o que se pode chamar de ‘formação social empresarial”.

A modernidade no sentido da utilização da razão produtivista, da vontade de acumulação ilimitada e da exploração sistemática da natureza, da criação de vastas populações excluídas, nasceu no Brasil e na America Latina. O Brasil, neste sentido, é novo e moderno desde suas origens.

A Europa só pôde fazer a sua revolução, chamada de modernidade, com seu direito e instituições democráticas, porque foi sustentada pela rapinagem brutal feita nas colônias. Com a independência política do Brasil, a formação social empresarial não mudou sua natureza. Todos os impulsos de desenvolvimento ocorridos ao longo de nossa história, não conseguiram diluir o caráter dependente e associado que resulta da natureza empresarial de nossa conformação social. A tendência do capital mundial global ainda hoje é tentar transformar nosso eventual futuro em nosso conhecido passado. Ao Brasil cabe ser o grande fornecedor de commodities para o mercado mundial, sem ou com parca tecnologia e valor agregado.

A empresa Brasil é a categoria-chave, segundo Souza Lima, para se entender a formação histórica do Brasil e o lugar que lhe é assinalado no processo atual de globalização desigual.

O desafio consiste em gestar um outro software social que nos seja adequado, que nos desenhe um futuro diferente. A inspiração vem de algo bem nosso: a cultura brasileira. Ela foi elaborada pelos escravos e seus descendentes, pelos indígenas que restaram, pelos mamelucos, pelos filhos e filhas da pobreza e da mestiçagem. Gestaram algo singular, não desejado pelos donos do poder que sempre os desprezaram e nunca os reconheceram como sujeitos e filhos e filhas de Deus.

O que se trata agora é refundar o Brasil, “construir, pela primeira vez, uma sociedade humana neste território imenso e belo; é habitá-lo, pela primeira vez, por uma sociedade humana de verdade, o que nunca ocorreu em toda a era moderna, desde que o Brasil foi fundado como uma empresa; fundar uma sociedade é o único objetivo capaz de salvar nosso povo”.Trata-se de passar do Brasil como Estado economicamente internacionalizado para o Brasil como sociedade biocentrada.

Ao refundar-se como sociedade humana biocentrada, o povo brasileiro deixará para trás a modernidade apodrecida pela injustiça e pela ganância e que está conduzindo a humanidade para um abismo. Não obstante, esta modernidade entre nós, bem ou mal, nos ajudou a forjar uma infra-estrutura material que pode permitir a construção de uma biocivilização que ama a vida em todas as suas formas, que convive pacificamente com as diferenças, dotada de incrível capacidade de integrar e de sintetizar os mais diferentes dados e valores.

É neste contexto que Souza Lima associa a refundação do Brasil às promessas de um mundo novo que deve suceder a este que está agonizando, incapaz de projetar qualquer horizonte de esperança para a humanidade. O Brasil poderá ser um nicho gerador de novos sonhos e da possibilidade real de realizá-los em harmonia com a Mãe Terra e aberto a todos os povos.

Leonardo Boff 04/02/2012

Leonardo Boff é autor de “Depois de 500 anos, que Brasil queremos, Vozes, Petropolis 2000.

fonte:http://leonardoboff.wordpress.com/

Morte nas trincas da competência

Ricardo Gondim

Na passarela do Miss Universo, beleza depende de uma polegada. No estádio, centésimos definem o campeão. Para cada vaga na melhor faculdade, centenas ficam de fora. O robô virou dragão que rouba emprego na linha de montagem. As regras se tornaram claras: não há espaço para quem não tem competência ou excelência.

As exigências estão cada vez maiores. Para se manter na superfície, é preciso mostrar-se excepcional. Não basta capacidade intelectual. Com a cibernética, só superdotados têm vez. Todo mundo já conhece a definição do nerd: jovem austero, grave, que não conhece outra vida senão estudar – encarnação do gênio de óculos grossos e engordurados.

A prosaica lenda da cigarra e da formiga voltou a estruturar o imaginário popular. Brincar ou passar fome. O futuro pertence às formigas operárias e não às cigarras cantoras.

Lucidez filosófica e integridade vocacional foram substituídas por “Pensamento Estratégico”. Esqueça-se “Quociente de Inteligência”. As versões cult de “Inteligência Emocional” ficaram para trás. Passa a valer “Inteligência de Risco” – capacidade de manobrar e apostar nos voláteis cassinos financeiros. Prodígio é quem sabe transformar tempo em dinheiro e afeto em lucro. Apareceu um novo tipo de genialidade: moças e rapazes bem dotados, com tirocínio para ganhar bilhões de dólares; basta-lhes uma ideia na cabeça; nem precisam de martelo, foice, trator ou alicate na mão.

A internet não aplainou o mundo, abriu espaço para que entrem os antenados e conectados. Para estes, a rede tem tudo. Sites, blogs, ferramentas de busca, aplicativos e GPS comunicam, informam, orientam. Negócios, conspirações, namoros, casamentos e até suicídios acontecem online.

Muitas vezes alheia à concretude humana, a internet também criou uma “raça de impolutos”, de inoxidáveis. Nas redes sociais todos riem, se descrevem servos e servas de Deus, amantes da vida e, claro, sinceros. Rugas desaparecem nos avatares, devidamente maquiados no photoshop.

Infelizmente, mesmo encantada consigo mesma, essa geração demonstra pouca alegria. A vida só tem graça nas imagens digitalizadas. O leque de cores é infinito. A possibilidade de ser feliz se transferiu para o espaço binário.

Espiritualidade ganhou novos contornos. O deus do ineditismo tecnológico tem o seu altar. Produtos são lançados em reuniões que parecem um culto. Catedrais se erguem para celebrar a transcendência que só os computadores podem dar. O Paraíso já vem com a maçã mordida.

Respira-se uma nova liberdade. A democracia virtual abriu espaço para todo tipo de gente. Poetas e censores se encontram. Mercenários e militantes se conhecem. Milhões se sentem motivados a escrever em blogs. Autoproclamados especialistas surgem por todos os lados. Enaltecer ou esculhambar ficou fácil. Gente ávida por fama passa horas procurando maneiras de se projetar em cima dos outros. Heróis de araque, covardes em qualquer embate tête-à-tête, vociferam zelo. Analfabetos funcionais, que nunca leram um livro, acham-se capazes de criticar poetas de primeira grandeza. (Chico Buarque riu – para mim, um riso nervoso – , mas eu me assustei com os comentários ácidos sobre sua obra).

Sem saudosismo, sem querer estancar o curso da história, acredito possível humanizar a internet – antes que se transforme no novo ópio da humanidade. Ainda dá para fugir de idealizações, triunfalismos e bravatas, típicos de quem se esconde atrás da tela. Aterrissemos e vamos encarar a miséria como insulto, a guerra como anacronismo e o trabalho infantil como maldição.

Minha esperança se sustenta na tênue percepção de que um dia, enfatuados compower-points bonitinhos, vamos desejar botar os pés no chão. Por enquanto, dá para pedir: -Por favor, não deixemos a vida se esvair pelas trincas da competência.

Soli Deo Gloria

fonte: www.ricardogondim.com.br

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A ÚLTIMA CHUVA

A caatinga no período de estiagem apresenta uma paisagem desoladora. O sol escaldante faz o céu parecer bronze. Os gravetos sem folhagem nenhuma da um ar sinistro a vegetação. Quando algum vento sopra, da terra esturricada apenas o pó levanta parecendo o cenário de “ o livro de Eli”. Apenas alguns juazeiros , que por terem raízes profundas, exibem o verde como oásis neste deserto.

Após as primeiras chuvas, a vida renasce como de encanto. As plantas vicejam como a terra agradecesse ao Criador pela a dádiva recebida. A natureza reage trazendo a existência o que de esplêndido estava distante. As flores nascem coroando de vida a caatinga, trazendo borboletas e outros insetos que ajudam a distribuir esta vida polinizando rapidamente, porque este ciclo de existência é curto.

A nossa vida também passa por estiagem existencial, espiritual e afetiva. Algumas vezes não temos raízes profundas como o juazeiro para suportar os embates de momentos difíceis e permanecemos em estado latente, esperando de alguma maneira que Deus mande chuva.

Deus vai mandar a última chuva para toda humanidade que espera por esta temporã. Já vejo o céu carregado e escuto o sussurro do vento avisando que vai chover! Devemos aproveitar como a caatinga, e reagir com toda força do nosso ser deixando que flores brote do fundo da alma gerando vida. Não importa o tamanho da raiz, não temos tempos para aprofundá-las. O ciclo é muito curto e esta decisão vale a eternidade!

Marcos Avelino