quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Convivendo com pensamentos diferentes III

Nesta postagem, além de expor um pouco da história dos essênios, é abordada a questão de usos e costumes e do mundanismo. Como conviver com pessoas que têm sua religiosidade baseada nesta bandeira? O texto é longo mais vale a pena ler.

Segundo Flávio Josefo, na época do segundo templo os principais grupo religiosos judeus eram: Saduceus, Fariseus e Essênios. Quando os príncipes macabeus, apossaram-se do ofício de sumo sacerdote, entristeceram os judeus conservadores, e os essênios denunciaram a situação e formaram comunidades ascéticas no deserto. Josefo refere, na ocasião, a existência de cerca de 4000 membros do grupo, espalhados por aldeias e povoações rurais.

Os essênios viviam em comunidade, cumpriam rigorosamente a lei de Moises e estudavam e procuravam viver os ensinamentos dos profetas. Dentre as comunidades, tornou-se conhecida a de Qumran, pelos manuscritos em pergaminhos que levam seu nome, também chamados Manuscritos do Mar Morto, descobertos em 1947.

Viviam completamente separados do judaísmo de Jerusalém, o qual considerava apóstata. Consideravam-se a si mesmo “os filhos da luz”, e dividiam-se em grupos de 12 com o líder chamado “mestre da justiça”. Aguardavam o dia da batalha final, quando então haveriam de obter a vitória sobre os “filhos das trevas”.

Como os fariseus, eles guardavam todo um ritual de purificação, tomavam banho antes das refeições e a comida era sujeita a rígidas regras de expurgação. Eram radicalmente dualistas em seus conceitos.

Eles anunciavam "a nova aliança" de Deus com Israel. O cristianismo prega grande parte das praticas judaica essênias referente a ética e a pureza espiritual. Embora sua terminologia seja parecida com a do cristianismo, o conteúdo de seu ensinamento tem diferenças relevantes.

Desapareceram por volta de 73 a.c. quando da conquista da fortaleza de massada pelos romanos. Mas suas práticas e ensinamentos influenciavam sobremodo a sociedade judaica na época de Jesus. E muitos dos conceitos essênios ainda inspiram a sociedade religiosa hodierna.

João Batista tinha muito da influência dos essênios no seu comportamento. Vivia no deserto, não bebia vinho (Lc 7.33)e se referia aos fariseus e saduceus como raça de víbora. (Mt 3.7). E como Jesus reagiu ao modo de pensar essênio se a maior parte dos ensinamentos de Jesus era o mesmo ideal essênio de vida espiritual?

A principal diferença dos ensinamentos de Jesus com a prática dos essênios estava no ponto dos essênios se isolarem dos outros Judeus por se acharem superiores espiritualmente. Por isso Jesus afirmou em Mt. 5.14-16 “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.”

Nos dias hodiernos podemos comparar o comportamento essênio com os que tentam servir a Deus em mosteiros, afastado de todos, ou em grupo religioso que se isolam dos outros por pensar que apenas eles são detentores da verdade.

O dualismo essênio, assim como o dualismo grego tem uma contribuição expressiva no comportamento religioso do nosso quotidiano. Na maioria das denominações evangélicas há uma tendência de separar o que é de Deus e o que é do mundo. Falar em mundanismo, crente mundano, e até igreja mundana é discurso comum quando encontra alguém com maneira de pensar diferente. O evangélico que segue a rigor as tradições de sua denominação, seguindo os usos e costumes, pode está vivendo um mundanismo sem dar conta disso! Vejamos o que mundo.

O capítulo da bíblia que mais fala em mundo é João 17, e Jesus faz uma separação de quem é dEle e quem é do mundo. Veja estas passagens “ Eu não estou mais no mundo ; mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda-os no teu nome, o qual me deste, para que eles sejam um, assim como nós. (...) Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim. (...) Pai justo, o mundo não te conheceu; eu, porém, te conheci, e também estes compreenderam que tu me enviaste. Eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer, a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja. (Jo 17.11,21-23, 24-26)

Jesus está afirmando que ser cristão é ter unidade e amor, e ser do mundo e viver na inimizade, na ira e no ódio. O Apóstolo Paulo ensina: “Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei. Ora, as obras da carne são conhecidas e são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, ciúmes, iras, discórdias, dissensões, facções, invejas, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, a respeito das quais eu vos declaro, como já, outrora, vos preveni, que não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam.“ (Gl 5.17-21). Viver ao contrário é ser do mundo. É preciso orar e buscar de Deus força para não negar com seu modo de viver aquilo que você prega.

Procurar ser guiado pelo Espírito, e não pela razão, ou pela vontade é a maneira de conviver entre os dualistas, sendo diferente. A bíblia afirma que todos que receberam a Jesus se tornaram filhos de Deus. (Jo 1.12) E o apóstolo Paulo afirma: “mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. (...). O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados.” (Rm 8.12,16-17)

Dualismo influenciam sobremodo a linguagem de uso e costumes nas denominações pentecostais e neopentecostais brasileira. O que é de Deus e o que é do mundo. Como se Deus estivesse interessado em apenas alguns apetrechos da religiosidade. Tudo que fazemos é de Deus e pra Deus. Ele não esta alienado de nossa existência. Temos que ser uma unidade sem dualismo. O apóstolo Paulo ensina: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam. Ninguém busque o seu próprio interesse, e sim o de outrem. Comei de tudo o que se vende no mercado, sem nada perguntardes por motivo de consciência; porque do Senhor é a terra e a sua plenitude. Se algum dentre os incrédulos vos convidar, e quiserdes ir, comei de tudo o que for posto diante de vós, sem nada perguntardes por motivo de consciência. Porém, se alguém vos disser: Isto é coisa sacrificada a ídolo, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; consciência, digo, não a tua propriamente, mas a do outro. Pois por que há de ser julgada a minha liberdade pela consciência alheia? Se eu participo com ações de graças, por que hei de ser vituperado por causa daquilo por que dou graças? Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus. Não vos torneis causa de tropeço nem para judeus, nem para gentios, nem tampouco para a igreja de Deus, assim como também eu procuro, em tudo, ser agradável a todos, não buscando o meu próprio interesse, mas o de muitos, para que sejam salvos. (I Co 10.23-33)

Você pode Julgar a você mesmo da seguinte forma: Isto que estou fazendo é para a glória de Deus ou para minha glória, para chamar atenção ou parecer diferente?

Muitos seguem a linguagem dos usos e costumes por pressão institucional. Como a linguagem dos cabelos e do véu tirada da interpretação de I Co 11.2-16. Mas o que este texto quer realmente dizer. Paulo escreve uma longa apologia com respeito ao véu e seu uso na comunidade cristã de Corinto.

O Pastor Raimundo de Oliveira comenta: “Nos dias da Igreja Primitiva, a mulher que não usasse véu nos cultos públicos agia como se tivesse rapado a cabeça. Ora, a cabe­ça rapada era algo repugnante para os judeus, já que só as adúlte­ras tinham a sua cabeça rapada, como castigo do seu crime (Nm 5.18). O mesmo acontecia com as escravas, e, às vezes, com as mulheres em luto, mas isso não era usual para as mulheres que estavam no seu estado normal.”

Também entre as religiões pagãs existiam as prostituta cultuais, que estavam ali para servir aos seus deuses nos templos, e a maioria tinha cabelos aparados. Lendo o texto de I Co 10, descrito acima, podemos entender que o apóstolo Paulo estava proibindo rapar o cabelo para não causar escândalo, pois alguém poderia imaginar que as práticas das prostitutas cultuais também fazia parte do cristianismo. Se tivesse cabelo cortado então usasse o véu.

Na época de Paulo as mulheres deveriam usar o véu, não apenas no culto, mas também, de acordo com o contexto histórico, em público, porquanto nenhuma mulher crente da igreja de corinto pensaria ser apanhada na rua sem véu. A imposição de algumas denominações religiosas hoje é de usar véu apenas no culto, usando parcialmente um texto dentro do contexto histórico, como pretexto para tentar contextualizar um costume.

Resumindo afirmo que para conviver com os que pensam dualistamente sobre o sagrado é preciso uma dose de espiritualidade e amor, não buscando seu próprio interesse, mas do outro, para não ser pedra de tropeço para ninguém como afirma o apóstolo Paulo.

Marcos Avelino

domingo, 4 de setembro de 2011

Convivendo com pensamentos diferentes II

 

Buscando ainda mostrar como Jesus se comportou diante das divergências de opinião com relação à fé, trago mais uma reflexão sobre a maneira de pensar e agir de um grupo religioso nos tempos do novo testamento – os saduceus.

Os saduceus era o segundo grupo religioso mais importante em Israel durante o ministério de Jesus. Formado em sua maioria por sacerdotes e ricos líderes judeus, divergiam do modo de pensar dos fariseus e eram os seus principais adversários. Negavam a existência do mundo espiritual e da ressurreição. “Porque os saduceus dizem que não há ressurreição, nem anjo, nem espírito; mas os fariseus reconhecem uma e outra coisa”. At 23.8

O imperialismo grego sobre os judeus influenciou sobremodo a maneira de pensar dos saduceus, que queriam que o judaísmo compartilhasse das vantagens da cultura helenista. Achavam os fariseus radicais e alienados, já que os fariseus lutavam por preservar um judaísmo legítimo. Os saduceus não reconheciam a autoridade da tradição oral, já para os fariseus isso era muito importante.

Interpretavam as escrituras de forma literal e aceitavam como canônico só o pentateuco. Enquanto para os fariseus consideravam toda a escritura do antigo testamento.

Os saduceus tinham menos apoio público que os fariseus, pois a tendência popular e ter regras e rituais para externar a religiosidade. É tentar de alguma maneira materializar algo de divino para fazer parte do culto. Por isso que no encontro de Jesus com a mulher samaritana Ele diz que os verdadeiros adoradores adorarão em espírito e em verdade.

Os fariseus modernos priorizam as tradições na visão de usos e costumes e os saduceus modernos divulgam o liberalismo teológico e negociam as verdades para obter vantagem pessoal. A máfia das ambulâncias é um exemplo vivo de como agem esta classe de religiosos.

Jesus combateu o comportamento religioso dos saduceus, de modo semelhante como ele combateu os fariseus. O orgulho e a falta de amor foi tema do discurso de jesus. Hoje vivemos numa sociedade repleta de neofariseus e neosaduceus. Vejamos como Jesus reagiu a lógica do pensar saduceu.

No livro de Mateus, no capítulo 16, os saduceus juntam-se aos fariseus, mesmo tendo opinião contrária, para tentarem a Jesus. Pediram algum sinal do céu. E Jesus disse que eles não conheciam os sinais dos tempos!

Em Mateus 22.23-38. Eles tentam teologicamente a Jesus. E usaram sua lógica de pensar tentando colocar jesus em situação difícil e provar que a doutrina dos saduceus com relação a ressureição era verdadeira. Jesus os fez calar afirmando que eles não conheciam as escrituras nem o poder de Deus. E afirmou que na ressureição ninguém casa ou dava-se em casamento, e que Deus não é Deus dos mortos e sim dos vivos!

Em Atos 4.1-4 eles mandam prender Pedro e João por pregarem a ressureição dos mortos em Jesus. Em At 5.17,18 eles mandam prender os apóstolos com inveja de ver os sinais de Deus operando através dos apóstolos. Nos dias hodiernos ainda vemos “cristãos” com o mesmo comportamento destes saduceus, condenam ao inferno quem pensar teologicamente diferente da cultura religiosa em que foi criado.

Marcos Avelino