By Dave
Hunt
Em suas Institutas
Calvino magistralmente desenvolveu a sua própria marca de Cristianismo. Ela foi
sem dúvida uma expansão do Agostinianismo e fortemente influenciada pela
tradução da Vulgata Latina – a Bíblia oficial da Igreja Católica Romana, e
aquela que Calvino estudou no seu latim original. As Institutas, surgindo destas duas fontes primárias, têm influenciado
sucessivas gerações de uma forma muito além daquela que seu jovem autor poderia
ter imaginado naquele momento.
A maioria das pessoas hoje, incluindo os líderes evangélicos que
têm Calvino em grande estima, não estão conscientes de que têm sido cativados
pelos escritos de um devoto católico romano recém-convertido ao Protestantismo
de Lutero, que havia rompido com Roma somente um ano antes.
Estranhamente, Calvino manteve-se na folha de pagamento da Igreja
Católica Romana por quase um ano após alegar ter sido miraculosamente livrado
do “profundo lamaçal” de “apego obstinado à superstição do papado”1. Não foi até 4 de maio de 1534 que ele voltou
à sua cidade natal de Noyon para demitir-se do emprego episcopal, quando foi
detido e preso, conseguiu escapar e fugiu.2 Embora estivesse fugindo e mudando de residência, Calvino
finalizou suas Institutas originais
em agosto de 1535. A primeira edição foi publicada em março de 1536.3
Por qualquer padrão, este jovem, embora excepcionalmente
brilhante, estava longe da maturidade na fé cristã. O próprio Calvino disse:
“Fiquei muito surpreso que, antes que um ano se passou [após ele ter deixado a
Igreja Romana], todos aqueles que tinham algum desejo pela pura doutrina
dirigiam-se a mim a fim de aprender, embora
eu próprio tenha feito pouco mais do que começar” (ênfase adicionada).4
Inquestionavelmente, suas Institutas
não poderiam, possivelmente, ter vindo a partir de uma profunda e totalmente
desenvolvida compreensão evangélica da Escritura. Em vez disso, elas vieram do
entusiasmo energético de um recém-graduado em Direito e estudante fervoroso de
filosofia e religião, um jovem entusiasta dedicado a Agostinho e a uma causa
recém-adotada. Durant diz:
[Como] um rapaz de vinte e seis anos, ele completou o mais
eloqüente, fervoroso, lúcido, lógico, influente e terrível trabalho em toda a
literatura da revolução religiosa... Ele trouxe para teologia e ética, a
lógica, a precisão e a severidade das Institutas
de Justiniano e deu à sua própria obra-prima um nome similar.5
De maneira louvável, assim como Lutero e outros
reformadores, Calvino estava determinado que a Escritura seria a sua única
autoridade. No início das Institutas,
ele previu essa fundamentação, afirmando que “se volvermos para eles [os livros
da Bíblia] olhos puros e sentidos íntegros, a majestade de Deus prontamente nos
será manifesta, à qual, subjugada nossa ousadia de contraditá-la, somos
compelidos à obediência”.6
Calvino reverenciava a Palavra de Deus como superando qualquer
coisa que o homem já tinha ou jamais poderia produzir e que “ante a força de
tal emoção, aquela impressividade dos retóricos e filósofos quase que se
desvanece totalmente, de sorte que é fácil perceber que as Sagradas Escrituras,
que em tão ampla escala superam a todos os dotes e graças da indústria humana,
respiram algo de divino...”7. Ninguém pode questionar o zelo de Calvino em seguir a Bíblia ou
a sua sincera convicção de que o que ele concebeu e ensinou era verdadeiro em
relação à Palavra de Deus. No entanto, assim como os bereanos buscavam
diariamente as Escrituras para determinar se o ensinamento de Paulo era fiel à
Palavra de Deus, assim nós devemos fazer com o ensino de Calvino.
No momento de escrever suas Institutas,
Calvino, longe de ser um apóstolo como Paulo, era na melhor das hipóteses um
recém-convertido. Portanto, ao escrever as Institutas,
Calvino buscou, com sua brilhante mente legal, compensar o que faltava em
maturidade espiritual e orientação do Espírito Santo. Apesar de sua
inteligência natural, entretanto, este jovem entusiasta parecia cego ao fato de
que a parceria que mais tarde ele forjou em Genebra entre a igreja e o estado
(como Lutero também fez) foi um dos maiores erros do Catolicismo Romano e a
própria antítese da vida e ensino de Cristo. Os remanescentes desse erro ainda
infestam a Europa de hoje sob a forma de igrejas do estado.
Elementos Básicos: Soberania e Predestinação
O fundamento básico deste novo sistema religioso que iria
revolucionar muito do Protestantismo era uma visão extremada da soberania de
Deus, a qual negava a vontade (arbítrio) do ser humano e considerava a igreja
como sendo o reino de Deus sobre a terra – ambas as visões inspiradas nos
escritos de Agostinho. Verduin escreve de Agostinho: “Aqui nós temos uma
representação inicial da noção de que a Igreja de Cristo foi destinada pelo seu
Fundador para figurar em uma situação radicalmente diferente daquela descrita
no Novo Testamento... Essa idéia enunciada por Agostinho... levou a todos os
tipos de absurdos teológicos”8.
Agostinho ensinou que o pré-conhecimento era o mesmo que
predestinação: “Conseqüentemente, às vezes, a mesma predestinação é
representada também sob o nome de pré-conhecimento”9. Assim, o pré-conhecimento de
Deus causa os eventos futuros.
Curiosamente, R. C. Sproul escreve que “não há nada na visão de Calvino sobre a
predestinação que não tenha sido proposto anteriormente por Lutero, e por
Agostinho antes dele”10. Calvino via Deus com o autor de todo evento, incluindo todos os
pecados:
Se Deus apenas antevisse os eventos dos homens, contudo de seu
arbítrio também não os dispusesse e ordenasse, então, não sem causa, se agitaria
a questão de se por acaso sua presciência tenha influência sobre sua
necessidade. Quando, porém, não por outra razão haja de antemão visto as coisas
que hão de acorrer, senão porque assim decretou que acontecessem, em vão se
move litígio acerca da presciência, uma vez ser evidente que todas as coisas
sucedem antes por sua ordenação e arbítrio.11
R. C. Sproul afirma claramente, “Deus deseja que todas as coisas
aconteçam ... Deus criou o pecado”12. Desta visão extremada da soberania de Deus veio a compreensão da
predestinação de Calvino. Segundo ele (seguindo o ensinamento de Santo
Agostinho), na eternidade passada Deus decidiu salvar apenas uma fração da raça
humana e decretou que o restante seria enviado para o tormento eterno –
simplesmente porque esse era o prazer da sua boa vontade:
Portanto, aqueles a quem Deus pretere os reprova; não por outra
causa, mas porque os quer excluir da herança para a qual predestina a seus
filhos...13
Porque, se todos são passíveis de juízo de morte, por condição natural,
os que o Senhor predestina à morte, pergunto de que iniqüidade sua para
consigo, se hajam de queixar-se?... por que antes mesmo de serem gerados foram
predestinados à perpétua miséria por sua eterna providência... Que poderão
vociferar contra esta vindicação...?14
Cuja causa outra coisa não pode ser senão a reprovação, a qual
está oculta no conselho secreto de Deus.15 Uma vez que esteja na mão de Deus a disposição de todas as
coisas, quando reside em seu poder o arbítrio da salvação e da morte, em seu
conselho e arbítrio assim ordena que entre os homens nasçam aqueles devotados à
morte certa desde a madre, para que, por meio de sua condenação, lhe
glorifiquem o nome.16
Segundo o arbítrio de seu beneplácito, Deus elege por filhos, sem
nenhum mérito, aqueles a quem bem lhe apraz, rejeitando e reprovando os
demais... é justo que o Juiz se mostre justo punindo... estas afirmações de
Agostinho se enquadram mui esplendidamente... Que outros, porém, sejam feitos
para desonra, isso deve ser lançado à conta não da iniqüidade, mas do juízo.17
Em suas Institutas,
Calvino enfatiza a soberania e quase não menciona o amor de Deus pelos
pecadores. Lutero, também, estava convencido de que Deus, por sua própria
escolha soberana e independente de qualquer coisa no homem, tinha desde a
eternidade passada determinado a quem Ele salvaria e a quem Ele condenaria.
Calvino (como Agostinho e a maioria dos calvinistas hoje) disse que Deus
poderia prever o futuro somente porque Ele assim o quis.18 Aqui nós temos a horrível doutrina da
reprovação, da própria pena de Calvino, ecoando mais uma vez o seu mentor,
Agostinho:
Portanto, estamos afirmando o que a Escritura mostra claramente:
que designou de uma vez para sempre, em seu eterno e imutável desígnio, àqueles
que ele quer que se salvem, e também àqueles que quer que se percam. Este
desígnio, no que respeita aos eleitos, afirmamos haver-se fundado em sua
graciosa misericórdia, sem qualquer consideração da dignidade humana; aqueles,
porém, aos quais destina à condenação, a estes de fato por seu justo e
irrepreensível juízo, ainda que incompreensível, lhes embarga o acesso à
vida... Ao excluir os réprobos... mostra com esses sinais qual será seu fim e
que juízo lhes está preparado.19
Depravação e “Mistério”
A misericórdia de Deus como Calvino a compreendia era muito
limitada. Seu principal campo de estudo foi a justiça de Deus, e é indiscutível
que Deus seria justo ao condenar a raça humana inteira. A verdadeira questão,
no entanto, é se Deus que é amor
negligenciaria tornar a salvação disponível a qualquer pessoa – muito menos predestinar à condenação multidões
que Ele poderia salvar se Ele assim o
desejasse. A Bíblia claramente declara o amor de Deus por toda a humanidade e
Seu desejo de que todos sejam salvos. É em defesa do amor e caráter de Deus que
propomos confrontar o Calvinismo contra a palavra de Deus.
De acordo com Calvino, ao invés da salvação depender de se uma
pessoa livremente crê no Evangelho, depende de se Deus a predestinou para
salvação. Ninguém poderia crer para a salvação sem que Deus o regenere e em
seguida produza a fé para crer naqueles que Ele já escolheu. Esta conclusão
segue logicamente da visão extrema da depravação humana de Calvino, a qual ele
estabeleceu em seus primeiros escritos:
A mente do homem, tão inteiramente alienada está da justiça de
Deus, que nada que não seja ímpio, pervertido, imundo, impuro, infame conceba,
deseje, busque fazer, tão completamente besuntado está o coração do veneno do
pecado, que nada pode exalar senão o que é totalmente pútrido. Porque, se
alguns ostentam, por vezes, a aparência de bom, contudo a mente sempre
permanece envolta em hipocrisia e enganosa tortuosidade, a sensibilidade
enlaçada de íntima perversidade.20
Por Depravação Total, o
Calvinismo quer dizer incapacidade total.
Abandonados a si mesmos, todos os homens não somente não buscam a Deus, como
também estão totalmente incapazes de
buscá-lo, muito menos de crer em Jesus Cristo para a salvação de suas almas.
Como conseqüência dessa total incapacidade, Deus faz com que alguns homens venham a crer da mesma forma que Ele faz
com que todos venham a pecar. Devemos
então concluir que Deus, que é amor, não ama todos os homens o suficiente para
salvá-los do castigo eterno, mas reserva o Seu amor para um grupo seleto,
chamado de eleitos.
Alguns calvinistas tentam negar que Calvino ensinou que Deus
decretou a condenação dos perdidos e também dos tais Ele reteve a Graça
Irresistível, a qual Ele outorgou apenas aos eleitos. Em vez disso, eles dizem
que Ele simplesmente “abandona os não-eleitos em Seu justo julgamento à sua
própria impiedade e obstinação”21
Tal como Agostinho, entretanto, Calvino ensinou as duas coisas.
Claramente, permitir que alguém a
quem Deus poderia salvar de ir para o
inferno (não importa o quanto eles mereciam) é o mesmo que os designar para esse destino, o que
Calvino chamava de “reprovação”. Também não existe qualquer dúvida de que,
através da Graça Irresistível do Calvinismo, Deus poderia salvar toda a raça humana se assim quisesse fazer.
Seguramente um Amor Infinito não permitiria que aqueles que são amados
sofressem o tormento eterno – mas Deus, de acordo com o Calvinismo, tem o
prazer em condenar bilhões. Tal ensino deturpa o Deus da Bíblia, como
documentaremos a partir das Escrituras.
Em última análise, nenhuma racionalização pode explicar a rudeza
da linguagem de Calvino, isto é, o prazer de Deus “para condenar à destruição”
àqueles que Ele “pela sua providência eterna... antes de seu nascimento
condenou à perpétua destruição...” Esta designação soberana de alguns para a
felicidade e outros para o tormento eterno era uma amostra do poder de Deus
que, segundo a maneira de pensar de Calvino, “promoveria a nossa maior
admiração da Sua glória”22
Até os não-cristãos acham essa doutrina chocante: Deus é
glorificado na predestinação de alguns para a salvação e de outros para a
condenação, embora não haja nenhuma diferença de mérito entre os salvos e os
perdidos. Entretanto, que Deus deixaria qualquer
pessoa ao tormento eterno que poderia ser resgatada seria rebaixar a Deus,
visto que fazer isso é repugnante à consciência e compaixão que o próprio Deus
colocou dentro de toda a humanidade!
O próprio Calvino admitiu que esta doutrina era repugnante à razão
inteligente. Tal como no Catolicismo Romano, Calvino tentou escapar das
contradições evidentes no seu sistema invocando “mistério”:
Paulo... elevando-se ao sublime mistério da predestinação....23 Quão grande improbidade é meramente indagar as
causas da vontade divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe...
Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de responder-se:
Porque o quis. Cuja causa outra coisa não pode ser senão a reprovação, a qual
está oculta no conselho secreto de Deus.24
Calvino afirma derivar da Bíblia o ensino de que Deus, para a Sua
glória, predestinou vastas multidões à condenação eterna, sem lhes permitir
qualquer escolha. Na verdade, quando ele ainda era um católico romano ele já
tinha chegado a essa conclusão a partir da sua imersão nos escritos de
Agostinho e na gravemente corrompida Bíblia Católica Romana oficial, a Vulgata
Latina.
Spurgeon, embora calvinista (a quem os calvinistas adoram citar em
seu apoio) que por vezes confirmava a Expiação Limitada, foi incapaz de escapar
de sua consciência dada por Deus. Seu coração de evangelista é muitas vezes
traído em declarações que expressam uma compaixão pelos perdidos e um desejo
pela sua salvação – uma compaixão que contradizia o Calvinismo que ele pregava
em outras vezes. Por exemplo:
Como é o meu desejo [e]
o seu desejo... da mesma forma é a
vontade de Deus que todos os homens sejam salvos... Ele não é menos benevolente
do que nós somos.25
É impossível conciliar essa afirmação com a doutrina da Expiação
Limitada, a qual Spurgeon em outras ocasiões afirmava. É irracional dizer que
Deus deseja sinceramente a salvação de todos, porém enviou o Seu Filho para
morrer por apenas alguns. Mas esta, como veremos, é apenas uma das muitas
contradições nas quais o Calvinismo aprisiona os seus adeptos.
1. João Calvino, Commentary on Psalms – Volume 1 – Comentário sobre os Salmos – Volume 1,
Prefácio do Autor, www.cal.org/c/calvin/comment3/comm_vol08/htm/TOC.htm.
2. J. D.
Douglas, Who’s Who ln Christian History –
Quem é Quem na História Cristã, 128-129; citado em Henry R. Pike, The Other Side of John Calvin – O Outro Lado
de João Calvino (Head to Heart – Da
Cabeça ao Coração, n. d.), 9-10. Veja também Alister E. McGralh, A Life of John Calvin – A Vida de João
Calvino (Cambridge, MA: Blackwell Publishers, 1990), 73; e Jones, Reformation, 127.
3. Jones, Reformation, 127.
4. Calvin, Commentary on Psalms – Comentário sobre os
Salmos, Prefácio.
5. Durant,
“Reforrnation – Reforma”, VI: Civilization
– Civilização, 459-60.
6. Calvino, lnstitutes – Institutas, I:vii,4.
7. Idem,
viii, 1.
8. Leonard
Verduin, The Reformers and Their
Stepchildren – Os Reformadores e os Seus Enteados (Sarasota, FL: Christian Hymnary Publishers,
1991), 66.
9. Agostinho,
On The Gift of Perseverance – Sobre o Dom
da Perseverança, capítulo 47, http://whitefield.freeservices.com/augustine06.html.
10. R. C.
Sproul, Grace Unknown – Graça
Desconhecida (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1997), 189.
11. Calvino, Institutes - Institutas, III:
xxiii, 6.
12. R. C. Sproul, Jr., Almighty Over All – Todo-Poderoso Sobre Todos (Grand Rapids, MI:
Baker Books, 1999), 54.
13. Calvino, lnstitutes
– Institutas, III: xxiii, I.
14. Idem, 3.
15. Idem, 4.
16. Idem, 6.
17. Idem, 10-11.
18. Idem, xxi-xxii.
19. Idem, xxi 7.
20. Idem, II: v, 19.
21. Cânones de Dort (Dordrecht, Holanda, 1619), 1,
6.
22. Calvino, Institutes - Institutas, III:
xxi, 1.
23. Idem, II: xii, 5.
24. Idem, IIl: xxiii, 2,4.
25. C. H. Spurgeon, Metropolitan Tabernacle Pulpit – Púlpito do Tabernáculo Metropolitano,
Vol. 26:49-52.
FONTES DE PESQUISA
Texto
extraído do Capítulo 3 do título de Dave Hunt What Love Is This?: Calvinism's
Misrepresentation of God -Que Amor é Esse?: Calvinismo uma falsa
representação de Deus) Disponível em português em:
http://www.arminianismo.com/index.php/categorias/obras/livros/181-dave-hunt-que-amor-e-este/
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